O que nós sabíamos era que essa viagem tinha que acontecer. Mas mesmo assim, não planejamos nem metade dela… E posso confessar? Foi a melhor decisão que tomamos.
Era uma quinta-feira de um verão escaldante de fevereiro, e eu me dirigia à portaria do prédio para entrar em um carro com mulheres que eu nunca tinha visto pessoalmente na vida, rumo a outro estado. Nos conhecemos online, e nossos propósitos em comum nos uniram em um projeto que, naquele final de semana, nos levava à adorável cidade histórica de Paraty. Fazer amizades online é um bom caminho, mas seria uma calúnia sem tamanho dizer que substitui ou se iguala às interações cara a cara. Por isso, o universo conspirou e, com dois minutos de atraso, conseguimos pegar aquele ônibus juntas. O que eu não sabia era que os próximos quatro dias iriam mudar completamente a minha perspectiva sobre a vida.
Quando chegamos a Paraty, algumas coisas já se mostraram fora do nosso planejamento. O hostel não era tão legal quanto nas fotos e trouxe algumas decepções, o calor estava quase insuportável, e o lugar que escolhemos para almoçar servia pratos com tamanhos de café da manhã. No primeiro dia, reservamos um tempo para tentar planejar o que iríamos fazer por ali nos próximos dias. Para ser sincera, tanta coisa incrível aconteceu que não lembro exatamente a ordem de cada uma. Mas o que eu te conto aqui é que, dentro de tudo que planejamos, acho que fizemos duas ou três coisas. O resto foi improviso do universo. E ele entregou bem melhor do que nós conseguimos planejar.
Teve restaurante turco, aula de zumba na avenida central da cidade, trabalho em um café quase escondido onde conhecemos pessoas muito queridas, samba de terreiro à beira-mar, almoço em restaurantes locais, e a lista continua. Paraty não só é um lugar apaixonante, como também cheio de possibilidades! Mas enfim, o foco principal aqui foi o nosso último dia. O dia em que a chave virou.
Depois de três dias maravilhosos, inspiradores e extremamente divertidos com mulheres com quem eu já tinha a sensação de uma amizade antiga, decidimos que, no último dia iríamos conhecer uma das cachoeiras mais famosas da região. Naquele domingo acordamos cedo, mas como boas brasileiras, acabamos nos atrasando e perdemos a van. A primeira coisa que eu quero pontuar sobre isso é: às vezes, tem bênção que vem disfarçada de maldição. Em vez de nos lamentarmos ou mudarmos a rota, decidimos esperar até a próxima.
A área principal do hostel era uma sala com varanda que também se unia à cozinha, ou seja, mesmo que não garantisse muito conforto, definitivamente garantia interação com outros hóspedes. Tomamos nosso café da manhã sem pressa. E a Adriely (que escreve uma das minhas news favoritas por aqui "Para Além da Superfície" -
, inclusive fica a recomendação) se dirigiu à pia despretenciosamente para lavar a louça, até que o voluntário carioca da recepção entrou na fila. Ela fez a gentileza de lavar a louça dele e, como bons brasileiros novamente, assim se iniciou uma conversa. Falamos sobre mil assuntos, mas principalmente sobre viagens, a própria cidade de Paraty e qual era o nosso plano para aquele dia. Segue o plano:- acordar cedo e tomar café da manhã
- pegar a van pra cachoeira
- voltar pra almoçar
- gravar uns conteúdos no hostel
- pegar o ônibus de volta pra SP
A melhor coisa que aconteceu, foi esse plano não ter acontecido. E tudo graças à van que perdemos. Enquanto esperávamos no hostel, depois de muito papo com o brasileiro, um Holandês tocava um ukulele no sofá e decidimos nos juntar, já que a sala era cheia de instrumentos musicais. Foram bons minutos fazendo barulho, muito barulho. Inundando aquele lugar com a energia do batuque brasileiro (ou pelo menos tentamos). Acabamos fazendo amizade com aquele Holandês também, que com certeza adorou nosso batuque (contém um balde de ironia). No final, os meninos decidiram que se juntariam a nós até a cachoeira. Pegamos a próxima van e eles nos encontraram por lá algumas horas depois.
O que nenhum de nós imaginava era que aquela tarde na cachoeira seria arruinada em poucas horas por um grupo enorme de adolescentes que estavam em viagem escolar (continua prestando atenção aqui, outra benção disfarçada de maldição). Então saimos dali e decidimos seguir o conselho do Carioca de conhecer uma de suas praias locais favoritas. No meio do caminho, paramos pra comer um pastel (aqui o que parecia maldição começa a se revelar como uma benção), que para nossa imensa surpresa era em um restaurante com uma das vistas mais bonitas que testemunhamos por lá. Dava pra ver o mar como se fosse uma pintura. Insiprados e alimentados, seguimos para a praia. E daí em diante, só foi melhorando.
Durante o caminho, em meio àquele tipo de estrada que te faz lembrar o por que de estar vivo, Adriely colocou uma playlist de brasilidades que fez todo mundo cantar junto como se fossemos melhores amigos de longa data. E o gringo? Não cantou, mas com certeza se divertiu. Chegamos na praia ao som de Claudinho e Buchecha e imediatamente caimos na água, onde ficamos por horas enquanto o sol começava a se por. Teve conversas estranhas, muita risada e até competição de nado. Quando voltamos para o carro ainda molhados de água salgada, a playlist seguiu e fomos voltando em direção ao hostel.
No banco de trás, do lado da janela direita, eu observava minuciosamente cada detalhe. As frestinhas de sol que iluminavam o verde das árvores, o vento que fazia as folhas dançarem, os outros carros atravessando a beleza da estrada, a trilha sonora que combinava perfeitamente com o cenário, o Carioca cantando enquanto dirigia, a Adriely batucando na janela do carro, a Laissa cantando enquanto contemplava a paisagem e a mão do Holandês, do lado de fora da janela fazendo ondinhas em meio ao vento…como em uma cena de filme mesmo. Naquele momento, quando juntei todos os detalhes que obervava, pensei: essa é a vida que eu quero viver! E fiquei em silêncio mentalmente por alguns segundos até que o próximo pensamento contestou: mas essa é literalmente a vida que eu já estou vivendo! E aí veio um pequeno monólogo mental que é o motivo de toda essa história, por isso te conto como aconteceu dentro da minha cabeça:
”por que eu fico tão obcecada com a ideia de alcançar a vida que eu quero viver como se ela fosse unicamente composta por esses momentos incríveis? essa ideia de que a felicidade é constante, sendo que eu já entendi que não é. Eu já vivo esses momentos que eu tanto sonho, de tempos em tempos, então essa já é a minha realidade. Eu vi essa cena agora como um filme, como se eu fosse uma espectadora, mas eu estou literalmente dentro dele como a protagonista. Esses momentos tem que se intercalar com outros cotidianos e até indesejáveis pra que eu viva o que eu realmente quero viver: a vida. Nada é linear, então eu ainda vou viver milhares de momentos como esse que serão misturados com outros que eu não desejei e tá tudo bem. Significa que eu estou experienciando todo esse rolê na Terra por completo. Achar que minha vida é um board de manifestação é minha maior armadilha de auto ilusão. Meu vision board é sempre um guia, mas não minha verdade. A verdade é esse momento aqui e agora. Esse momento que me faz querer chorar de felicidade e agradecer em todos os idiomas pela oportunidade de estar viva. Mesmo sabendo que amanhã eu volto pra São Paulo prestes a enfrentar dias muito difíceis. Acho que chega de desejar a vida que eu quero viver o tempo todo e, ao invés disso, começar a notar os detalhes dos momentos nos quais eu já estou vivendo ela.”
Naquele dia tudo ficou mais leve. Chegamos no hostel, pedimos um litrão de cerveja seguido por uma pizza, enquanto a chuva que também não tinha sido prevista caía sem pressa do lado de fora. Enquanto deixava a água do chuveiro cair sobre o meu corpo senti mil kilos de expectativas sendo tirados da minhas costas. Quando voltei, me fiz presente pra aproveitar aquele momento, que naquele ponto já tinha umas quatro pessoas a mais. A cada nova pessoa que se apresentava eu sentia mais um peso indo embora, cada vez mais leve naquele cenário e cada vez mais presente em cada conversa. Acho que um fim de tarde nunca me ensinou tanto quanto aquele. Enfim, quando a noite se deixou cair fomos até a rodoviária pegar o ônibus de volta para São Paulo.
A volta foi um sorriso coletivo. Olhávamos umas pras outras antes do ônibus partir e as palavras eram algo do tipo “que dia incrível a gente viveu hoje! muito inesperado, mas acabou sendo muito melhor do que o que a gente tinha planejado”. E tudo isso vivido com meros estranhos que pareciam já fazer parte da nossa história. E aí apareceu a segunda coisa que quero pontuar, inclusive como moral dessa história: está tudo bem planejarmos as coisas, mas sempre vale a pena deixar um espaço pra vida agir. Ás vezes, o que estava completamente fora do plano pode ser o melhor que te aconteceu. Mas o importante aqui é estar aberta ao novo, ao desconhecido, ao que a vida trás nos momentos em que precisamos. Principalmente quando é o que desejamos, mas até quando não for.
Quem diria que olhar as coisas por aquela janela de trás do carro, mudaria o jeito que eu olharei pra vida daqui pra frente…
Pra entender essa história de um jeito ainda mais visual, te convido à mergulhar nesse post do meu Instagram, onde te conto um pouco mais, te ilustro alguns dos cenários e dou cara aos personagens dessa história. Te espero por lá :)
Ah, e me conta uma coisa? Você já viveu algum momento assim em uma viagem? Uma coisa simples que mudou muito sua perspectiva sobre algo?
Até a próxima! Com amor, Lais.